Prof. Dr. José Otávio Brito - Henraq
Prof. Dr. José Otávio Brito
- Entrevistas
- 30/06/13
Professor Titular da Universidade de São Paulo, vinculado à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, onde atua na área de Bioenergia e Bioprodutos de Base Florestal. Realizou Pós-Doutorado na Université Henry Poincaré, Nancy, França, onde também atuou como Professor Associado Visitante. Sua produção bibliográfica registra mais de 170 referências e sob sua orientação acadêmica já atuaram mais de 130 alunos em atividades de iniciação científica e de pós-graduação. Tem oferecido inúmeras contribuições técnico-científicas para órgãos públicos e privados, no Brasil e no Exterior. Foi Diretor Executivo do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais - IPEF e Prefeito do Campus “Luiz de Queiroz” da USP, em Piracicaba, SP. É portador do titulo de Sócio Honorário do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais - IPEF e da Medalha Marechal Rondon, oferecido pela Sociedade Geográfica Brasileira. É membro do Comitê Gestor do Projeto Nacional de Pesquisas em Florestas Energéticas da Embrapa. Encontra-se atualmente desenvolvendo atividades de pesquisa na área de pirólise de biomassa junto ao Imperial College of London, Inglaterra, na condição de Academic Visitor.
Prof. Dr. José Otávio Brito
1. Atualmente fala-se muito no uso do carvão vegetal como fonte de energia alternativa. Poderia nos explicar quais são as principais diferenças entre o carvão vegetal e o mineral?
O Brasil é, de longe, o maior produtor mundial de carvão vegetal, representando 30 % do total, com valores anuais da ordem de 8 a 10 milhões de toneladas. Desse modo, não coloco o produto no rol das “alternativas”, como se o mesmo ainda não ocupasse espaço no elenco de produtos energéticos. O uso carvão vegetal é uma realidade inquestionável, comportando uma longa e histórica tradição, sobretudo vinculada à indústria siderúrgica. Por sua vinculação com esse setor, é usual que, na questão ambiental, surja o raciocínio para sua comparação com o carvão mineral, o qual, na forma de coque, também é bastante usado como insumo. Nesse sentido, pode-se afirmar que o carvão vegetal apresenta vantagens, pois possui uma composição química significadamente mais adequada, destacando-se a quase que total ausência de enxofre, dentre outros produtos considerados nocivos ao ambiente e à saúde humana.
2. Como é o processo para obtenção desse carvão vegetal? Ele é sustentável?
A palavra sustentável pode ter diferentes significados, cabendo, portanto, diferentes abordagens. No aspecto econômico, por exemplo, o fato do Brasil ser, de longa data, o maior produtor mundial de carvão vegetal, por si, só já demonstra sua viabilidade. No contexto siderúrgico o seu emprego tem se mostrado economicamente mais vantajoso em relação ao coque obtido do carvão mineral. Além do mais, ainda em comparação com esse último, o carvão vegetal é produzido internamente, não dependendo de importação. Na questão da matéria prima usada para sua obtenção, no entanto, ainda temos importante desafios a serem encarados. Historicamente, o atendimento da demanda de carvão vegetal em nosso país tem se caracterizado pela diversidade das fontes supridoras de madeira. Desde muitos anos, a Mata Atlântica, o Cerrado, a Caatinga e, mais recentemente, a Floresta Amazônica, têm respondido, significativamente, para tal suprimento, infelizmente, com predomínio da exploração predatória. Mais recentemente, no entanto, tem sido expressivo o crescimento de uso de madeira oriunda de plantios florestais. Estima-se que, dentro de poucos anos, essa será a forma mais importante de matéria-prima destinada à obtenção de carvão vegetal, tornando a atividade mais próxima dos conceitos de sustentabilidade. Restará apenas solucionar a questão do controle das emissões de gases oriundos do processo de carbonização, lançados em quantidades expressivas na atmosfera. Felizmente, as pesquisas e as ações tecnológicas para tal solução avançam de forma rápida e importante. Diga-se, por sinal, que se existem desafios, as respostas para as soluções já se encontram perfeitamente visíveis, bastando apenas a definição de estratégias e decisões institucionais para tal.
3. Que tipo de biomassa é utilizado para a produção de carvão vegetal?
Em princípio, qualquer biomassa vegetal pode ser usada para produção de carvão. Para maioria dos usos, porém, o carvão vegetal tem que apresentar certas características granulométricas, o que somente pode ser alcançado mediante o uso da madeira, que, por isso, tem sido a maior fonte de suprimento para sua obtenção. Nesse contexto, as matas nativas e as florestas de eucalipto têm sido as matérias- primas tradicionalmente mais empregadas. Tem crescido, no entanto, o interesse pelo uso de gramíneas, visando a obtenção de carvão vegetal pulverizado, para injeção em fornalhas, no seu uso como combustível. Trata-se, porém, de uma escala que ainda se situa no contexto de demonstração, e com percentagem ainda muito pequena de aplicação e uso.
4. Quais as principais aplicações da produção de carvão vegetal?
O carvão vegetal é mundialmente aplicado como insumo energético destinado à cocção de alimentos, estando presente em centenas de países. Tem ainda aplicação tradicional na área fármaco medicinal e, mais recentemente, tem sido considerado como um importantíssimo insumo para a solução de várias questões de poluição e controle ambiental da água e do ar. No caso brasileiro, o carvão vegetal tem se mostrado fortemente presente na produção siderúrgica, onde é usado como importante insumo termo-redutor do minério de ferro para a obtenção de ferro gusa e, em seguida, a obtenção do aço. Desde que solucionados os desafios que ainda estão presentes no setor, o uso do carvão vegetal em siderurgia permite se vislumbrar nosso país como o detentor do maior potencial para a produção do chamado “aço verde”.
5. Poderia nos dar uma ideia da dimensão de mercado desse carvão no Brasil? E no exterior?
Sem desprezo do mercado consumidor para cocção de alimentos, cujo atendimento tem sido suportado por milhares de micro e pequenos produtores, o maior volume de demanda encontra-se no segmento industrial siderúrgico. Há no Brasil mais de 100 alto-fornos siderúrgicos, concentrados, principalmente, no Estado de Minas Gerais e na Região Amazônica Oriental, por força da presença de jazidas de minério de ferro. Nesses locais, certamente, sempre haverá importante demanda pelo produto, gerando o proporcional mercado de comercialização. Evidentemente, a demanda sempre estará dependente da situação do próprio mercado de produtos siderúrgicos baseados no ferro gusa. No exterior, o mercado é concentrado, substancialmente, no setor da cocção de alimentos. Apesar de serem pequenos os volumes, nosso país é exportador de carvão vegetal para atendimento desse tipo de demanda.
6. Diante de todas essas características do carvão vegetal, qual sua previsão para o futuro com relação a esse produto?
Sem nenhuma dúvida, o futuro do carvão vegetal no Brasil é bastante promissor, podendo ser vislumbrada a consolidação, sobretudo, do segmento siderúrgico dele dependente. Não há dúvida de que, à exemplo de outros setores, a crise econômica mundial tem afetado o setor, em especial, devido ao seu atrelamento com a demanda de aço, cujo mercado encontra-se reduzido. A exemplo de outros momentos da história, no entanto, a crise não é eterna e, na retomada do crescimento mundial, o setor siderúrgico a carvão vegetal se mostrará presente. Nesse momento, nosso país se mostrará presente, se destacando como um cluster a continuar oferecendo matéria- prima de altíssima qualidade para produção de produtos siderúrgicos. Razões estratégicas, sobretudo ligadas às vantagens ambientais não faltam para isso justificar.