Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti - Henraq

Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti

Profa. Dra. Cristina Martins Fargetti

1. Quando iniciou o seu interesse pela cultura indígena?

Desde criança os índios sempre me encantavam. Eu geralmente torcia pra eles nos filmes de bang bang, mas infelizmente eles nunca tinham muita sorte. Eu ouvia no rádio, com meus pais, Cascatinha e Inhana cantando “Índia” e me emocionava, desejava conhecer a índia que havia enfeitiçado o moço. Eu queria muito conhecer índios pra eles me ensinarem os mistérios das florestas, que pra mim eram encantadas. Meu interesse como pesquisadora começou quando, ingressante no curso de Letras da Unicamp, visitei, em férias com a família, uma aldeia guarani e desejei estudar uma língua indígena. Nessa época (e ainda hoje), para mim, encantadas eram as línguas naturais. Meu desejo se tornou realidade quando, em 1989, ingressei na pós-graduação em Lingüística , na Unicamp, e passei a fazer parte do projeto de documentação e descrição de línguas indígenas do Parque Xingu, Mato Grosso, coordenado pela Profa. Lucy Seki. Os juruna me foram então apresentados nesse ano, em viagem que fiz a sua aldeia, e desde então meu coração e mente são cativos deles.

2. O que esse trabalho influenciou em seu dia a dia com seus alunos?

Meu trabalho de pesquisa permitiu-me “passear” pelas diversas áreas da Lingüística, pois, como os níveis lingüísticos estão sempre relacionados, não é possível estudar a fundo apenas uma parte da língua sem antes ter dela uma visão global. Isso permite-me trabalhar tanto Fonética e Fonologia, quanto Morfossintaxe, por exemplo. E meus alunos têm, de certa forma, um ganho com essa minha formação. Além disso, eles podem , por meu intermédio, conhecer um pouco de uma língua e de uma cultura de um povo indígena brasileiro, desmistificando a imagem de índio e contribuindo para a superação do etnocentrismo.

3. Qual a importância da cultura indígena para o conhecimento dos jovens hoje?

Os jovens podem aprender com os índios uma relação diferente com o meio ambiente e com seus próprios semelhantes, além de toda a riqueza de sua tradição cultural. Um índio juruna não destrói amplas porções de mata para grandes monoculturas agrícolas, ele planta de forma a interagir com a mata circundante; um juruna alimenta-se de ovos de tartaruga, mas não os retira da natureza de maneira predatória (consome uma parte de cada ninhada e o restante, protege de animais predadores). Um juruna não abandona um órfão, pelo contrário, seu povo é conhecido por adotar, como seus filhos, órfãos de outras etnias. Além disso, a arte juruna tem uma beleza muito grande, merecedora de interesse. São apenas exemplos, pois há muito que aprender com os índios.

4. Qual o papel que o resgate destas culturas significa para o país?

O país tem a ganhar com o resgate das culturas indígenas, pois podemos aprender com os índios desde o uso medicinal de inúmeras plantas, até formas diferentes de entender o que é estar aqui neste mundo. Isso é uma riqueza sem fim, que hoje os próprios índios mais jovens procuram documentar, registrar de alguma forma para as gerações futuras. Há vários projetos nesse sentido, e o governo , inclusive, liberou recentemente uma verba para publicação de textos produzidos pelos índios. Além disso, valorizar essas culturas também é, de certa forma, contribuir para diminuir a exclusão social a que historicamente foram submetidos os índios. Houve época em nosso país em que índio era tido como povo sem lei, sem rei e sem fé, por isso poderiam ser exterminados ou reduzidos a fantasmas, sem seus próprios referenciais culturais. Falta muito para os índios serem ouvidos realmente, mas acredito que, com a nova geração de pesquisadores brasileiros, lingüistas como eu, antropólogos e outros, um diálogo amadureça e frutifique. Para isso, apoio governamental e parcerias com ongs e empresas são fundamentais.

5. Em relação aos índios, o que a astronomia influencia em suas vidas?

Seguindo uma visão de um pesquisador brasileiro, físico e antropólogo (Márcio D’Olne Campos), seria melhor chamar o conhecimento indígena de saberes sobre a relação entre céu e terra. Os índios não têm uma ciência específica chamada astronomia, seu conhecimento é baseado numa observação a olho nu e muito funcional, relacionada com seu dia-a-dia. Nós temos um Huble, que pode talvez registrar o big bang, mas sequer olhamos pro céu. Ou seja, nós temos uma grande tecnologia para olhar para o céu , temos uma Ciência com letra maiúscula, mas quantos de nós olha para o céu, ao menos uma vez por mês? O céu para nós não significa nada em nossas vidas, mas para os índios juruna ele marca todo o seu calendário, e por isso eles o observam sempre. Sabem a época do ano pela observação do surgimento e desaparecimento de constelações no céu, em determinado horário. Assim, quando os juruna vêem o que chamamos de Plêiades, e que eles chamam de Anaintxitxibï (“muita estrela”), sabem que é tempo de cuidar de suas roças, é tempo de queimar o mato para o posterior plantio. Observam, em abril, às 4 horas da madrugada, o surgimento do Cruzeiro do Sul, para eles um pássaro chamado Kanapi, que sinaliza o início da estiagem e portanto o ano novo. Há ainda outras constelações, diferentes das nossas, inclusive constelações que ligam espaços escuros na Via Láctea. Há mitos para todas as constelações, para o sol e para a lua. História incríveis que, um dia, espero poder trazer a público.

6. Como é a alimentação dos índios e o que costumam fazer para se embelezar?

A alimentação dos juruna baseia-se, principalmente, no peixe e na farinha de mandioca. Às vezes comem carne de caça, ovos de tracajá (um tipo de tartaruga) e mel (da abelha européia e de abelhas nativas – em torno de 30 espécies). As frutas que consomem mais freqüentemente são banana, mamão e melancia. Também comem milho, pimenta, abóbora e feijão fava. Às vezes consomem arroz, sal e açúcar que compram na cidade. Antigamente fabricavam seu sal, através do processamento de folhas de um tipo de palmeira. As crianças sempre podem contar com mingau de mandioca e de banana. Há ainda o consumo, em dias de festa, de uma bebida fermentada, alcoólica, chamada caxiri, que pode ter diferentes preparos.
Para se embelezar para as festas, tanto homens quanto mulheres, adultos e crianças, usam um adorno típico desse povo, que constitui de plumas de marreco afixadas com resina na risca central do cabelo, arrematada na testa por um chumaço de algodão vermelho também afixado com resina. Há ainda a pintura corporal, realizada com caldo de jenipapo, de cor preta, uso de colar de miçangas coloridas, cocares de penas de pássaros, braceletes de algodão e de miçangas, joelheiras de algodão e, para os homens, chocalhos de casca de castanha, amarrados no tornozelo.
No dia-a-dia, usam óleo de inajá (coco) nos cabelos, para protegê-los e amaciá-los, óleo de tucum (coco) na pele como repelente de insetos e hidratante. Os juruna têm o costume também de retirar com resina tanto as sobrancelhas quanto os cílios e para isso alegam questão estética e de saúde (crença de que com isso se fortalecem). Penteiam-se constantemente, e apreciam roupas novas: vestidos de algodão para as mulheres, que elas mesmas costuram, e bermudas e camisetas para os homens. Antigamente, as mulheres usavam somente uma saia, tecida em tear manual, de algodão, e os homens andavam nus, somente com um estojo peniano feito de palha.

7. E o seu banho. Existe algum ritual ?

Os juruna tomam vários banhos durante o dia, no rio, para sua higiene, para baixar a temperatura corporal, e, no caso dos jovens, também para se divertir. Antigamente tinham um preparado de folhas que usavam para se perfumar, mas hoje usam sabonete industrializado.
Não sei se o banho poderia ser considerado ritualístico, mas geralmente, ao menos uma vez ao dia, no final da tarde, cada família banha-se separadamente, no rio. Há banhos de água com folhas específicas, realizados pelos pajés, com o intuito de restituir a saúde ao doente.
Quando um não-índio está na aldeia e se demora a ir se banhar, os índios se incomodam e perguntam se ele não vai se banhar.

8. Qual é a principal mensagem na língua “tupi” que você pode nos deixar?

Una yudjá á alu. Yudjáháne na ta, date una yudjá ilá au anu. Ula Taperida anu, urahai ilaha anu. Yudjá idjá na au anu. Hin ila. Á na he. Ilú na he, date umamitïmaha anu. Abí ídja abïáyãhã na ka. Ena ubáhá hé káde, ena á he ta. Txa na hae.

“Eu amo os juruna. Eu também me pareço juruna, porque inclusive eu tenho um nome juruna. Meu nome é Taperida, um nome de gente antiga. Eu tenho uma mãe juruna. Seu nome é Hin. Eu a amo. Eu sinto saudades dela, porque é minha amiga. Acho que eu achei a índia da música. Se você a conhecesse, também a amaria. Tchau. (= “eu vou indo”)